sexta-feira, 29 de julho de 2016

VIOLETA

De uma ária talhada pelos golpes de um cinzel obcecado, nasceu os lábios intermináveis de um vermelho pungente na beleza de um rosto machucado pelos excessos incontornáveis da vida. Violeta estava plantada numa cama, enquanto os pensamentos escorriam pelo paladar da sua memória. Ainda sentia o gosto de como tinha sido existir no amargo áspero de uma morte consequente, quase compensatória e bastarda! Morreria mais jovem do que parecia. As estradas dos vincos deixavam um sorriso amargo de doce inegável experiência. Na jardineira de sua cama hospitalar floria as últimas pétalas de seus turbulentos dias. Era uma mulher incomensurável. Sua coragem transbordava pelos cubículos atrofiados nas moléculas de ar. Coragem de viver as últimas consequências de seu idolatrado desejo. O ar da paixão nos tijolos soltos da carne. Compensado, comprimido, carregado pelos dias inacabados de orgias sem fim. Uma cortesã do fim dos tempos. Amava por prazer, deliberadamente, e exercia uma sedução atroz em si mesma diante dos intermináveis estímulos de uma voracidade infindável. Era uma estrela pendurada nos brilhantes noturnos do céu. Uma ninfomaníaca declarada. Não haveria uma noite que sua carne molhada não regurgitava os líquidos mais poéticos de uma anônima humanidade perdida na seda de seus vultuosos lençóis. 500 fios de navalhas... a barba áspera raspando os contornos de seus lábios. Grandes, inflamados, rubros de um  rubor inconfessável porém explicito, inegável... insaciável toque de sublime perfeição! Seus cabelos escorriam pelos quadros das memórias vivas nas paredes de dentro daqueles homens incontáveis. Uma colecionadora violenta. Dicotomia de sua lasciva destreza fatal e essa perturbadora  meiguice transbordando pelos poros. Decidiu acender um cigarro enquanto tragava seus nostálgicos pensamentos perfumados. Libidinosos versos escorrendo pelo molhado tecido do papel da parede dentro de um quarto. Um sopro de eternidade fugaz a cada ressureição do cosmos quando explodia. Sua respiração era uma catarse eólica na tempestade líquida dos efeitos absolutos da carne. Uma gota de orvalho surgia de seus pulmões, transpirava no vidro do banho... a lua chorava uma serenata entre a languidez de suas irretocáveis pernas e o grave no compasso ancestral em percussão na maestria de seus seios. Um suor viscoso gotejava dos pulsos seminais. Arrancados pelo salto alto em cima da fagulha de um isqueiro na chama escarlate do batom. Tinha uma orquídea violeta impressa em seus olhos de favos e fel. A fumaça do cigarro no réquiem do hospital. Ela jamais pensou que poderia ser tão irônico esse mecanismo bárbaro conhecido como viver. O pêndulo das transformações obsoletas, imutáveis. No meio das festas de seu pequeno covil com cheiro de ninho ela havia conhecido um homem. “Jamais serei mãe”, atestava ela, “não nasci para sentir o peso de um ventre vivo dentro de mim...”... e tragava as fumaças rarefeitas do erotismo subliminar escancarado em seus contornos reforçados pela própria aura vermelha de potestade incontrolavelmente livre. Escrava de uma gota só. Tácita escravidão da liberdade. E regozijava-se com os toques superficiais dos muitos rostos sem faces encarados no reflexo imperscrutável da escuridão. As notas eram enrolada para serem perdidas ao sopro da inalação. Bocas anestesiadas juntas debaixo do mesmo teto. As goteiras do infinito dentro de todos nós, elas vazavam para fora dos olhos dessa mulher. Hipnóticos, narcóticos, eróticos... espremida contra a própria parede de sua pele, não cabia mais dentro de si mesma quando estava impotente diante daquele forasteiro cavalar. Seu amor por esse homem era o caule ponte da corola de sua perdição. Era evidente. O gosto do homem absoluto vazando por sua boca. Costurando as entranhas de suas mais decentes perversões. O cheiro de um faro com sabor de deliciosa incontrolável submissão. Ele havia domado as vísceras rebeldes de uma mulher indomável. Ela sempre o tratou feito um cachorro. Um cão sem diabo. Um canil sem dono. Uivava lágrimas de desesperado cio a flor da pele. Violeta, roxa de tanto apanhar. Não existia nenhum outro como ele. Sequer teve opção de escolher. Ela era sua. Queria ser pisada pelo peso incontestável do gigante dentro daquele homem fincado no útero da terra. Suas raízes brotavam pelas pétalas desfolhadas de seu desejo. E com isso, crescia por ele um ódio nutrido de incontestável amor. Jamais poderia se subjugar dessa forma. Aquela criança nunca iria nascer. Violeta carregava um filho do forasteiro misterioso. E junto o medo de ser algo maior do que o objeto confortável e previsível de si mesma. O aborto nas membranas do sonho. O estrangeiro ao saber de sua  implacável decisão resolveu desaparecer para todo o resto do amanhã. Decisão terminativa e incontornável. Violeta desapareceria como um trago de seu último cigarro esbanjado a esmo no solitário leito de sua morte acidental. Complicações inimputáveis de um estúpido erro médico. O último trago, os seus beijos violados, seu caixão boiando numa piscina cheia de mortos. O mais engraçado, é que depois de tudo, eles conseguiram salvar a criança.

Um comentário:

  1. vc conseguiu a Violeta mais dark possível... rs , nem Stephaen frears faria melhor!!!👏🏼👏🏼👏🏼

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