terça-feira, 2 de agosto de 2016

JOCASTA

Castos os filhos de uma sociedade escrava pelos grilhões de uma pérola negra social. Eles eram castos e brincavam de escravos de Jó. O filho legítimo teria de ser sacrificado aos pés do morro. Mortos os irmãos fantasmas. Ela era exuberante e rica. O menino foi roubado na maternidade. Muitos anos se passaram. Jocasta tinha ido a uma noite de ópera com o estrondoso marido. Uma parcimônia industrial de um super valorizado mercado de ações. Magnata de uma vida de cristal de boemias no papel de um romântico trovador. A tragédia da noite extravasaria as bruxarias de uma vingança paga em nome da mãe.  Mulheres pagãs do desespero da fome, aglutinadas nas sarjetas das cidades, dançando com  o ventre os alimentos escassos de um ritual onde morcegos e ratos enfestariam o bojo do caldeirão. Suas pérolas brilhavam mais do que seu pescoço. Por uma fatalidade a escuridão insidiosas não revelou os olhos daquele pequeno diabo escondido atrás do poste. Atraído pelo brilho das pedras como a barbatana assassina dos mares vidrava-se com uma gota de sangue dispersa na imensidão das probabilidades  certeiras do oceano. Uma coincidência quanto mais impossível se tornava ao mesmo tempo que fatal a mais provável de acontecer. Entre todas as simultaneidades da vida, esse encontro seria o ultimato do próprio ser no topo dentro da cadeia alimentar de prisões invisíveis e carcerárias. As pérolas negras na luz da noite sobre a cheia transbordante de lá Luna. Voraz e intimidadora. Mágica persistente no clamor diabólico do fado. Seu marido, o magnata, apertava sua mão. Ele pressentia o bafo negro dos becos. Não era o local mais apropriado  para caminhar depois do enterro do sol. Não era o melhor lugar para terem fincado um teatro. No centro municipal da fome. Eles seriam esquartejados pelo destino. Presas fáceis fora da bolha a prova de balas de uma viatura blindada a prova de sonhos. Caminhava um pouco exaltado pela calçada, com pressa de atingir o estacionamento. Aqueles dedos tortos segurando a mordaça do gatilho atrás do poste. Silêncio. Tremia. “passa a carteira...anda...vai.. vai...” e um susto corou a pele magra do homem poderoso. Impotente. Pálido. Os olhos estrelados do bandido. Eles pularam para fora do corpo. Vomitaram as órbitas na cara. Para fora da própria alma. “o colar... eu quero o colar...”e a tensão esticava os cabos nos aços dos nervos do cão. Um estalo. Ele viu o homem colocando a mão no bolso. O tiro rompeu os tímpanos da madrugada. Jocasta berrou. Histérica para seu próprio infortúnio. Os olhos estalados da lua em sua cara. As pedras espalhadas pela calçada. Violência e estupro. Era a única forma de calar a boca daquela mulher. Uma vaca fora do pasto coberta por joias. Violando-a. Ao menos, era esse o jeito que a vida havia lhe ensinado. O casaco de pele morta ganhou vida. Sangue e uma calcinha arrancada pelos dentes de um pobre animal acuado. Assassino! Para seu desespero, ela viu a cor estatelada de seus olhos azuis. Os olhos do pai. A atávica medalhinha desaparecida em seu pescoço. Lembrou da noite de terror na maternidade. Os destinos trocados. Quando com suas próprias decepadas mãos colocava a medalhinha no pescoço enforcado de seu filho. Enforcada pelo agora. Os dedos tortos. Sobre o gatilho emperrado, soprando a pólvora de seu marido morto, ela estremecia. O sêmen de seu filho flutuando dentro da barriga. Não tinha mais dúvidas. O mesmo dedo do pai. A medalhinha desaparecida na noite trevosa do hospital. Jogada na sarjeta. Não restaria mais nada a fazer. O colar se partiu com o crime. Na esquina de uma noite do destino, aos prantos, ela lembrou o quanto esses anos todos, seu marido havia se utilizado de um mercado negro para existir... o quanto que sem nunca se importar, os dois foram coniventes com uma declarada exploração infantil.

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