Castos
os filhos de uma sociedade escrava pelos grilhões de uma pérola negra social.
Eles eram castos e brincavam de escravos de Jó. O filho legítimo teria de ser
sacrificado aos pés do morro. Mortos os irmãos fantasmas. Ela era exuberante e
rica. O menino foi roubado na maternidade. Muitos anos se passaram. Jocasta
tinha ido a uma noite de ópera com o estrondoso marido. Uma parcimônia
industrial de um super valorizado mercado de ações. Magnata de uma vida de cristal
de boemias no papel de um romântico trovador. A tragédia da noite extravasaria
as bruxarias de uma vingança paga em nome da mãe. Mulheres pagãs do desespero da fome,
aglutinadas nas sarjetas das cidades, dançando com o ventre os alimentos escassos de um ritual
onde morcegos e ratos enfestariam o bojo do caldeirão. Suas pérolas brilhavam
mais do que seu pescoço. Por uma fatalidade a escuridão insidiosas não revelou
os olhos daquele pequeno diabo escondido atrás do poste. Atraído pelo brilho
das pedras como a barbatana assassina dos mares vidrava-se com uma gota de
sangue dispersa na imensidão das probabilidades certeiras do oceano. Uma coincidência quanto
mais impossível se tornava ao mesmo tempo que fatal a mais provável de
acontecer. Entre todas as simultaneidades da vida, esse encontro seria o
ultimato do próprio ser no topo dentro da cadeia alimentar de prisões
invisíveis e carcerárias. As pérolas negras na luz da noite sobre a cheia
transbordante de lá Luna. Voraz e intimidadora. Mágica persistente no clamor
diabólico do fado. Seu marido, o magnata, apertava sua mão. Ele pressentia o
bafo negro dos becos. Não era o local mais apropriado para caminhar depois do enterro do sol. Não era
o melhor lugar para terem fincado um teatro. No centro municipal da fome. Eles
seriam esquartejados pelo destino. Presas fáceis fora da bolha a prova de balas
de uma viatura blindada a prova de sonhos. Caminhava um pouco exaltado pela calçada, com pressa
de atingir o estacionamento. Aqueles dedos tortos segurando a mordaça do
gatilho atrás do poste. Silêncio. Tremia. “passa a carteira...anda...vai..
vai...” e um susto corou a pele magra do homem poderoso. Impotente. Pálido. Os
olhos estrelados do bandido. Eles pularam para fora do corpo. Vomitaram as órbitas
na cara. Para fora da própria alma. “o colar... eu quero o colar...”e a tensão
esticava os cabos nos aços dos nervos do cão. Um estalo. Ele viu o homem
colocando a mão no bolso. O tiro rompeu os tímpanos da madrugada. Jocasta
berrou. Histérica para seu próprio infortúnio. Os olhos estalados da lua em sua
cara. As pedras espalhadas pela calçada. Violência e estupro. Era a única forma
de calar a boca daquela mulher. Uma vaca fora do pasto coberta por joias. Violando-a.
Ao menos, era esse o jeito que a vida havia lhe ensinado. O casaco de pele
morta ganhou vida. Sangue e uma calcinha arrancada pelos dentes de um pobre animal
acuado. Assassino! Para seu desespero, ela viu a cor estatelada de seus olhos azuis. Os olhos
do pai. A atávica medalhinha desaparecida em seu pescoço. Lembrou da noite de terror na maternidade. Os destinos trocados. Quando com suas próprias decepadas mãos colocava a medalhinha
no pescoço enforcado de seu filho. Enforcada pelo agora. Os dedos tortos. Sobre
o gatilho emperrado, soprando a pólvora de seu marido morto, ela estremecia. O
sêmen de seu filho flutuando dentro da barriga. Não tinha mais dúvidas. O mesmo
dedo do pai. A medalhinha desaparecida na noite trevosa do hospital. Jogada na
sarjeta. Não restaria mais nada a fazer. O colar se partiu com o crime. Na
esquina de uma noite do destino, aos prantos, ela lembrou o quanto esses anos
todos, seu marido havia se utilizado de um mercado negro para existir... o
quanto que sem nunca se importar, os dois foram coniventes com uma declarada
exploração infantil.
perfeita transição para o contemporâneo... mto legal
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