quinta-feira, 4 de agosto de 2016

MARGUERITE

Uma princesinha resplandecente e bem educada. Havia nascido para ser a menina joia da família preciosa. Em sua débil constituição social, aos poucos, depois de alguns anos desse insistente cárcere moral, Marguerite havia se transformado na prostituta mais famosa da cidade. Sua família não entendia o que havia acontecido de errado. Cada um dos mil semblantes que haviam lhe visitado cuspiam um trocado promíscuo de algumas moedinhas no baú de seu interior húmido e fértil. Era uma putinha refinada porém barata. Fazia questão de não cobrar muito para não descriminar as diversas classes de sua deliciosa perdição. Ao mesmo tempo, não recusava pequenos incentivos vindos como vultuosas nunca desinteressadas doações. Depois de algum tempo, havia acumulado uma pequena fama e fortuna. Poderia partir com o sorriso estampado no clitóris. Sua mãe descabelava-se sempre ao visitar as páginas  da internet para espiar seus provocantes delitos.  Fingia que nada sabia. Era uma mulher religiosa e assexuada. Essas que apagam o fogo das entranhas com a delicada imagem da santa. Ironia amarga da vida. Mal sabia ela que o fetiche de Marguerite era penetrar-se com a virgem casta do seu altar. Sim, ela masturbava-se com a virgem Maria, ao mesmo tempo que era penetrada por uma fila de homens da degenerada cena burguesa do covil metropolitano social. Não haviam sobrado muitos. A família nunca sagrada jamais poderia compreender. Um anseio de liberdade oposto aos triviais e deformados valores de uma personagem emoldurada na frieza hipócrita das volúveis convenções dos talheres de três dentes e engomados colarinhos de vidro. Ela debatia-se feito uma cadela no cio ao mesmo tempo que alimentava a sádica ilusão de menina frágil. Era mais fácil para seus algozes enxergarem Marguerite como uma pobre coitada. E ela vestia a carapuça direitinho, amordaçada em sua bela cama das camélias... das margaridas, das violetas, das rosas defloradas... os copos transbordando de leite! E ria.... ria em orgasmos múltiplos e sucessivos. Ali todas as flores eram germinadas em sua delinquente e juvenil corola sexual. Quanto mais impingiam um controle, mais ela degenerava-se. O melhor era saber que existia um lugar que eles jamais iriam tocar. O seu mundo interior, onde a pequena Marguerite deleitava-se com suas perversões infindáveis. Um sorriso que eles nunca conseguiriam castrar. Um sorriso que eles nunca conseguiram compreender! Com o tempo esse ciclo vicioso de ácidos desejos escancarados era tudo que havia sobrado no cotidiano da rotina esvaziada. A puta virgem da família de um pobre mundo casto estava sufocada pelo tédio. Nada mais. Marguerite ainda ria, pois conseguia raspar do útero cinza autênticas gotas de felicidade colorida.  Por dentro gozava enquanto se fingia de morta. Estava acostumada a agir assim. Afinal, havia sido educada pelo sadismo velado da chama de uma vela de sete dias. Grossa e redonda. A medida certa para estimular sua prece genital. Sabia que o mundo era podre por dentro, mas tinha um sabor irreversível de fruta vermelha do pecado. Um belo dia, Marguerite partiu. Tinha cansado de ser uma puta rica e ociosa, vestindo o mal hábito de uma freira amarela e comportada. Ela havia decidido recomeçar. Iria sublimar essa chama ilibada do maçarico ereto das santas torturas religiosas e transformar sua perdição em um novo destino.  Almas livres rodopiando nas fogueiras eternas das mentirosas saudades. A carne finalmente havia se tornando imunda, porém o espírito ficou  mais leve. Prostituição no ofício do prazer. Dona de sua própria vagina, Marguerite no clamor de uma vida sempre surpreendente, no outro lado do mundo, apaixonou-se por um estudante de direito. Amarga ironia.  Morreu vítima de Aids. Uns dizem que foi a conjuntura dos fatos que a debilitou. Ela foi humilhada pelo pai do rapaz. Seu futuro sogro tinha sido um dos muitos frequentadores de seu inflamado apartamento. Quem diria!... do outro lado do mundo encontrou o amor na prole de um antigo cliente. A pretensiosa regenerada e a verdade atirada na cara do próprio filho. O pai jamais pôde admitir tal união. Era um dia cinza e chuvoso quando a vela se apagou. Diante de sua penumbra num quarto no terceiro andar, a imagem perdida da santa. Antes de morrer, Marguerite no seu mais profundo ser, deu um leve sorriso repuxado, lembrou-se de quando era menina, e com a textura viril das juntas de seus dedos longos, acariciou-se até o último suspiro enquanto falava com a mãe no telefone... “mãezinha, saudades de você... não se preocupe, está tudo bem comigo, fique em paz...Adeus!” Um dia ainda seria canonizada... mas muito, muito tempo depois de deixar essa incompreensível lembrança imaculada e pura, radiografada na indelével mancha para sempre livre na branquidão imensa do lençol.

Um comentário:

  1. A sempre vibrante curiosidade ao profano, a promiscuidade... paradoxal!!!👍🏻👍🏻

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