Para celebrar o último mês de tratamento hepático, me proponho a escrever um conto por dia, por 28 dias, contando a partir de hoje, com o tema "MULHERES DESENCANTADAS", que reunirá heroínas do nosso imaginário literário universal na pele de nossas mulheres contemporâneas, comuns, e extra..ordinárias!! Uma singela homenagem para essas mulheres essenciais nessa exaustiva luta que travamos diariamente para não devorarmos o próprio fígado!
quarta-feira, 3 de agosto de 2016
ODETTE
Um
lago de lágrimas no cristalino virgem de seus olhos. Uma menina do interior
encantada pela lábia peçonhenta de um velho ardiloso dono de uma agência de
modelos. O velho truque do velho vigário dono de mortes lentas no descompasso
de um mundo sem inocência Ele prometeu que ela ganharia o mundo. Os cisnes
mortos em seus congeladores de sonhos. Na geladeira de um lábio enterrado em
carnes de funeral o velho prometia para suas meninas aquilo que sua pele
desdenhosa e flácida sem o ardil jamais conseguiria obter. Odette
deslumbrava-se com os píncaros falaciosos de um mundo estampado na fuligem dos
jornais. Efêmero. Fugaz. O tempo passava sempre dentro de sua cabecinha
sonhadora. Ela deixou a família para trás, os ossos enterrados na cor do estio
eterno da roça. Deixou aquele pobre menino pobre demais para ser para sempre
seu único amor. Ele teria para sempre sido. Mas Odette foi a isca do pesadelo
de seu próprio sonho. Penteava-se com uma escova de cabelos arrancados do seu
futuro. Quando percebeu era tarde demais. Estava já aliciada. O velho a trancou
nesse mundo irreversível e enfiou a chave no rabo. A grande passarela da moda
se resumia nas manchas de ferrugem espalhadas pelo lençol mais barato que uma
vagabunda só conseguiria sozinha respirar para poder passar. Uma fachada de cobras
comedoras de ratinhas brancas cujo corpo afogado num lago de esperma
dentro de um travesseiro de falsas plumas coloria a tinta desgarrada do trauma
e sua respectiva dor. A agência era uma deteriorada casa de prostituição. Os
clientes apareciam geralmente bêbados. Velhos, gordos e nojentos. Despejavam
suas doenças imundas nas peles amolecidas das tantas meninas mortas pelo sonho.
“você vai ser famosa... vamos publicar seu rosto na capa da revista...” e a
história se repetia. Odette tinha vergonha de ligar para sua família. Não
conseguia ouvir a voz de sua mãe e dizer... “sim mamãe, está tudo bem comigo...”
A cidade lhe engolia. O cheiro de mofo daquele cortiço na espelunca de um pardieiro
de monstros. Era dia das bruxas quando o velho lhe avisou que teria que usar uma
fantasia. Eles estavam decorando o lugarzinho para uma pequena festa íntima.
Clientes na borra da nata da sociedade da fé com um azedado fétido leite... A fantasia incluía
umas asinhas brancas e uma venda negra. Assim ela estaria bela outra vez.
Rejuvenescida pelo lindo sonho pueril. “que coisinha mais linda...” o velho
lambia sua boca cheia de baba cega e viscosa. Cabra morta no sacrifício de um
jagunço comedor de fígados dourados. Ela estava com a venda nos olhos. Semi
amarrada, disposta em cima de uma mesa central, baratinha, com algumas das
outras meninas pobres, como se fosse uma fruteira no horror interminável de uma
agonizante cornucópia. Viva a passarela fúnebre de um jato de esperma envaidecido! Sêmen
perturbada. Os gozos escorrendo de suas entranhas adoentadas, exploradas. A
gruta do inferno na caverna vaginal do paraíso.
As meninas entorpecidas. Cheiravam a brancura louca da coca. O velho
contava as notas na mentira de suas mãos. “seu rosto vai sair em todas as
revistas... nós vamos transformar você numa estrela”... e ria se masturbando
escovando os dentes amarelos com os caninos priápicos do próprio gozo. E a
festa aumentava seu frenético espermicida vulgar de um prosecco barato. As bolhas voavam no bolor do metro quadrado
da perfídia de um prostíbulo manipulador de vaidades desavisadas. Ele ria e ela
chorava. Os tantos nojos lhe penetrando em cima da mesa de plástico. No cúmulo
da desproteção. As meninas agarradas nas penas da fantasia. O globo cafona girava suas
luzinhas de inferno. Era de dar pena. E o velho contava as notas. E Odette contava as lágrimas. Desesperada. Os sonhos uma vez sonhados e nunca realizados...deteriorados! Iria ser uma virgem puta e sonhadora pela última vez. Quando o velho foi
desafogar seus flácidos alívios em seu humilhado interior, a venda se rompeu.
Odette o encarou nos olhos. Viu que era ele o demônio da vez. Por um instante o velho corou. Ele sabia que ela
sabia. Por um segundo, ela viu a face de seu modesto amor recrudescer na cor
perdida da roça. Não hesitou. Cravou os dentes na pele e arrancou o pênis
daquele homem com a boca. A festa acabou. Não me lembro o que aconteceu. Mas
acho que um dos clientes acabou chamando a polícia.
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Odete , de proust , as avessas... muito bom!!!
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