quarta-feira, 3 de agosto de 2016

ODETTE

Um lago de lágrimas no cristalino virgem de seus olhos. Uma menina do interior encantada pela lábia peçonhenta de um velho ardiloso dono de uma agência de modelos. O velho truque do velho vigário dono de mortes lentas no descompasso de um mundo sem inocência  Ele prometeu que ela ganharia o mundo. Os cisnes mortos em seus congeladores de sonhos. Na geladeira de um lábio enterrado em carnes de funeral o velho prometia para suas meninas aquilo que sua pele desdenhosa e flácida sem o ardil jamais conseguiria obter. Odette deslumbrava-se com os píncaros falaciosos de um mundo estampado na fuligem dos jornais. Efêmero. Fugaz. O tempo passava sempre dentro de sua cabecinha sonhadora. Ela deixou a família para trás, os ossos enterrados na cor do estio eterno da roça. Deixou aquele pobre menino pobre demais para ser para sempre seu único amor. Ele teria para sempre sido. Mas Odette foi a isca do pesadelo de seu próprio sonho. Penteava-se com uma escova de cabelos arrancados do seu futuro. Quando percebeu era tarde demais. Estava já aliciada. O velho a trancou nesse mundo irreversível e enfiou a chave no rabo. A grande passarela da moda se resumia nas manchas de ferrugem espalhadas pelo lençol mais barato que uma vagabunda só conseguiria sozinha respirar para poder passar. Uma fachada de cobras comedoras de ratinhas brancas  cujo corpo afogado num lago de esperma dentro de um  travesseiro de falsas plumas coloria a tinta desgarrada do trauma e sua respectiva dor. A agência era uma deteriorada casa de prostituição. Os clientes apareciam geralmente bêbados. Velhos, gordos e nojentos. Despejavam suas doenças imundas nas peles amolecidas das tantas meninas mortas pelo sonho. “você vai ser famosa... vamos publicar seu rosto na capa da revista...” e a história se repetia. Odette tinha vergonha de ligar para sua família. Não conseguia ouvir a voz de sua mãe e dizer... “sim mamãe, está tudo bem comigo...” A cidade lhe engolia. O cheiro de mofo daquele cortiço na espelunca de um pardieiro de monstros. Era dia das bruxas quando o velho lhe avisou que teria que usar uma fantasia. Eles estavam decorando o lugarzinho para uma pequena festa íntima. Clientes na borra da nata da sociedade da fé com um azedado fétido leite... A fantasia incluía umas asinhas brancas e uma venda negra. Assim ela estaria bela outra vez. Rejuvenescida pelo lindo sonho pueril. “que coisinha mais linda...” o velho lambia sua boca cheia de baba cega e viscosa. Cabra morta no sacrifício de um jagunço comedor de fígados dourados. Ela estava com a venda nos olhos. Semi amarrada, disposta em cima de uma mesa central, baratinha, com algumas das outras meninas pobres, como se fosse uma fruteira no horror interminável de uma agonizante cornucópia. Viva a passarela fúnebre de um jato de esperma envaidecido! Sêmen perturbada. Os gozos escorrendo de suas entranhas adoentadas, exploradas. A gruta do inferno na caverna vaginal do paraíso.  As meninas entorpecidas. Cheiravam a brancura louca da coca. O velho contava as notas na mentira de suas mãos. “seu rosto vai sair em todas as revistas... nós vamos transformar você numa estrela”... e ria se masturbando escovando os dentes amarelos com os caninos priápicos do próprio gozo. E a festa aumentava seu frenético espermicida vulgar de um prosecco barato.  As bolhas voavam no bolor do metro quadrado da perfídia de um prostíbulo manipulador de vaidades desavisadas. Ele ria e ela chorava. Os tantos nojos lhe penetrando em cima da mesa de plástico. No cúmulo da desproteção. As meninas agarradas nas penas da fantasia. O globo cafona girava suas luzinhas de inferno. Era de dar pena. E o velho contava as notas. E Odette contava as lágrimas. Desesperada. Os sonhos uma vez sonhados e nunca realizados...deteriorados! Iria ser uma virgem puta e sonhadora pela última vez. Quando o velho foi desafogar seus flácidos alívios em seu humilhado interior, a venda se rompeu. Odette o encarou nos olhos. Viu que era ele o demônio da vez. Por um instante o velho corou. Ele sabia que ela sabia. Por um segundo, ela viu a face de seu modesto amor recrudescer na cor perdida da roça. Não hesitou. Cravou os dentes na pele e arrancou o pênis daquele homem com a boca. A festa acabou. Não me lembro o que aconteceu. Mas acho que um dos clientes acabou chamando a polícia.

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