Para celebrar o último mês de tratamento hepático, me proponho a escrever um conto por dia, por 28 dias, contando a partir de hoje, com o tema "MULHERES DESENCANTADAS", que reunirá heroínas do nosso imaginário literário universal na pele de nossas mulheres contemporâneas, comuns, e extra..ordinárias!! Uma singela homenagem para essas mulheres essenciais nessa exaustiva luta que travamos diariamente para não devorarmos o próprio fígado!
segunda-feira, 1 de agosto de 2016
PENELOPE
A
voz no silêncio enterrado sob o vazio de uma caixa na montanha. Todos os
domingos pareciam iguais, mesmo que ela não fosse até o cemitério, o cemitério
iria até ela. Enterrado dentro de seu peito os ossos de uma lembrança do que um
dia teria sido o retrato do amor. Penélope aguardava sem saber do seu aguardo o
retorno eterno do marido morto na guerra. Ela era da esperança a viúva. Ele, um correspondente de sentimentos escassos no agora desmanchado
sobre a pele terrorista dos ventos. Desapareceu como um rastro de sombra no
filete amargo da luz. Não tinha notícias. Sequer uma carta. Nada. Suas pegadas
haviam deixado marcas apenas na areia de seus pensamentos. A caixa era simbólica.
Teria sido encomendada para ali se poder chorar. Um túmulo vazio cheio de
vastas emoções. Cheio de vida. Ali ela havia depositado suas irrecuperáveis
horas sentidas. Preencheu a ausência do corpo do marido com sua fidelidade
quase doentia. Quase muda. Quase viva. As lágrimas eram as gotas de tempo
escorrendo do relógio envelhecido na espera de um tecido preso na pele viva da cabeceira de sua cama .
O tapete mágico de seu verdadeiro e único amor. Nessa tarde de domingo sóbrio o
sol escaldava um sorriso lacrimejado. Imune
aos olhos de um novo pingo, não tinha mais dor para chorar. Começou a chover. Apenas
um vazio deixado pelo rastro da época invencível, incontornável. Todos os mesmos
domingos o astro se punha mais devagar, mais nefasto... A tortura flamejante no
céu ... arrastando para debaixo da terra a recordação de um dia de felicidade
sobre o altar caloroso da voz... do sim!!! Ela fiava, tecia, cosia sua expiação no mutismo da memória surda aos apelos
veementes dos mais diversos pretendentes seculares. A esperança dentro da caixa
vazia afogava sobre as águas esse luto insuperável. Submersa dentro da terra,
Penélope confundia os outros rostos com o mesmo desaparecido olhar infinito,
carregado sobre a densidade da alma de tudo. No fim de tarde um corvo e uma
andorinha se entrelaçavam na circular dança da vida. Eles eram talvez os espíritos da solidão dispersos em seu peito cuja
pele camuflada pelo tecido pulsante do jardim arrepiava os pelos das gramas e
dos abetos inconscientes da vida viva em cima da terra.... O canto facínora da paz e
sua verdadeira videira dos sonhos. No final, todas as pessoas se transformavam
em árvores. As árvores grávidas de flores. Os sorrisos em grávidos passados. A gravidade da vida... da morte! Na
montanha e sua caixa Penélope habitava uma floresta sagrada. Todos os homens
mortos na guerra dentro de nós. Eles floriam na pureza da cor. Um vento
acariciou sua face. A silhueta de um homem só. E uma caixa... cheia de cinzas
cor de sangue. O retorno amargo do fantasma de um rei insepulto. Penélope
chorou depois de 20 anos. Finalmente seu filho voltou do nada carregando a urna
silenciosa do último abraço do seu eterno pai.
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Frondoso dilema. Emoção visceral em gotas de areia lacrimosa como orvalho
ResponderExcluirlinda visão de Penelope, e telemaco trazendo os restos do pai...🔝
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