segunda-feira, 1 de agosto de 2016

PENELOPE

A voz no silêncio enterrado sob o vazio de uma caixa na montanha. Todos os domingos pareciam iguais, mesmo que ela não fosse até o cemitério, o cemitério iria até ela. Enterrado dentro de seu peito os ossos de uma lembrança do que um dia teria sido o retrato do amor. Penélope aguardava sem saber do seu aguardo o retorno eterno do marido morto na guerra. Ela era da esperança a viúva. Ele, um  correspondente  de sentimentos escassos no agora desmanchado sobre a pele terrorista dos ventos.  Desapareceu como um rastro de sombra no filete amargo da luz. Não tinha notícias. Sequer uma carta. Nada. Suas pegadas haviam deixado marcas apenas na areia de seus pensamentos. A caixa era simbólica. Teria sido encomendada para ali se poder chorar. Um túmulo vazio cheio de vastas emoções. Cheio de vida. Ali ela havia depositado suas irrecuperáveis horas sentidas. Preencheu a ausência do corpo do marido com sua fidelidade quase doentia. Quase muda. Quase viva. As lágrimas eram as gotas de tempo escorrendo do relógio envelhecido na espera de um tecido preso na pele viva da cabeceira de sua cama . O tapete mágico de seu verdadeiro e único amor. Nessa tarde de domingo sóbrio o  sol escaldava um sorriso lacrimejado. Imune aos olhos de um novo pingo, não tinha mais dor para chorar. Começou a chover. Apenas um vazio deixado pelo rastro da época invencível, incontornável. Todos os mesmos domingos o astro se punha mais devagar, mais nefasto... A tortura flamejante no céu ... arrastando para debaixo da terra a recordação de um dia de felicidade sobre o altar caloroso da voz... do sim!!! Ela fiava, tecia, cosia sua expiação  no mutismo da memória surda aos apelos veementes dos mais diversos pretendentes seculares. A esperança dentro da caixa vazia afogava sobre as águas esse luto insuperável. Submersa dentro da terra, Penélope confundia os outros rostos com o mesmo desaparecido olhar infinito, carregado sobre a densidade da alma de tudo. No fim de tarde um corvo e uma andorinha se entrelaçavam na circular dança da vida. Eles eram talvez os  espíritos da solidão dispersos em seu peito cuja pele camuflada pelo tecido pulsante do jardim arrepiava os pelos das gramas e dos abetos inconscientes da vida viva em cima da terra.... O canto facínora da paz e sua verdadeira videira dos sonhos. No final, todas as pessoas se transformavam em árvores. As árvores grávidas de flores. Os sorrisos em grávidos passados. A gravidade da vida... da morte!  Na montanha e sua caixa Penélope habitava uma floresta sagrada. Todos os homens mortos na guerra dentro de nós. Eles floriam na pureza da cor. Um vento acariciou sua face. A silhueta de um homem só. E uma caixa... cheia de cinzas cor de sangue. O retorno amargo do fantasma de um rei insepulto. Penélope chorou depois de 20 anos. Finalmente seu filho voltou do nada carregando a urna silenciosa do último abraço do seu eterno pai.  

2 comentários:

  1. Frondoso dilema. Emoção visceral em gotas de areia lacrimosa como orvalho

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  2. linda visão de Penelope, e telemaco trazendo os restos do pai...🔝

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